terça-feira, 29 de agosto de 2017

A carta não enviada.

Quando você partiu, quando combinamos o seu tempo no estrangeiro, não pensamos nos percalços que aqui ficariam. Não pensamos que o tempo andaria e aconteceriam movimentos. Não pensamos que os olhos poderiam cruzar outros olhos.


Sábado a noite. Neblina, um convite inesperado e a ideia de que nem apareceria. Um lugar marcado, olhares desconfiados, sem sorrisos, sem intimidade. Ele falava manso e pausadamente. Olhava no meu olho. Foi aí que meu olho brilhou. Tinha algo nele que eu não sei explicar. Se foi a conversa, as historias, o sarcasmo, a nossa ironia. Mas tinha algo nele. Quando ele deu a primeira gargalhada, foi aí, foi nesse exato momento que eu sabia que não haveria mais volta. Estava diante da pessoa que eu nem queria conhecer, que eu não dei muita conversa. A noite correu tão rápido que eu nem vi amanhecer. Deitei leve e com teu perfume no meu cabelo. As conversas e encontros foram acontecendo naturalmente. Nossas fotos diárias do por do sol, as brincadeiras com novela e mastercheff, as fotos macros. Tudo isso foi me ganhando. Tudo isso foi conquistando o meu pedacinho cheio de medo. As teorias exatas dele e as minhas teorias complexas e malucas. A descrença sobre signos dele e a minha convenção sobre astrologia.  As conversas sem bom dia e boa noite. Os encontros cheios de teorias mirabolantes. Toda essa coisa misteriosa nele me envolveu de uma forma inexplicável.


Quarta feira de manhã, chuva, frio e neblina. Fui até o aeroporto como havíamos combinado. Ele não saia da minha cabeça. Quando você desceu as escadas e me olhou, eu fiquei parada, estática, olhava pra você e não te reconhecia. Eu não pude andar na tua direção, não pude correr pros teus braços. Não consegui falar. Você entrou no meu carro e insistiu em saber o que estava acontecendo. Eu não conseguia falar. Eu nem sabia o que estava acontecendo comigo pra explicar pra você. Um silencio dolorido e cortante habitava o local.

Sábado  a noite. Depois de dias de insistência concordei em te encontrar e contar. Ainda existia uma duvida. Ainda existia você e ele. Mas você precipitou tudo me esperando com um anel de brilhantes e espumante. Você não queria minha explicação. Você me queria, apenas. E o cheiro dele não saia da minha cabeça pra eu esquecer assim. Expliquei todos os meus sentimentos, meus medos e minha angustia. Não tiro a razão de você ficar furioso pela minha escolha.

Hoje, quente e ensolarado. Tô aqui pra dizer  que eu não mudei de ideia. Que eu continuo optando pelo duvidoso do que pelo seguro. Talvez eu quebre a cara como você disse. Talvez eu sofra dores irreparáveis. Mesmo assim eu não consigo carregar teu anel. Então peço que me deixe seguir, me deixe ir em busca de algo que eu não sei o que é. Me deixe livre como eu te deixei. Talvez eu volte e seja tarde, talvez eu volte a tempo, talvez eu não volte. Não peço que me espere. Peço apenas que me deixe livre.

Com carinho,
Da tua Vanilla.


P.S.: Essa é uma carta que jamais será enviada, foi uma carta escrita em palavras ditas olho a olho e apenas aqui registrada.