Você
pediu um cigarro, mentiu o nome e a idade, confessou o curso que
fazia e a cidade. Olhar bêbado e sorriso nenhum. Dei o final do
último cigarro e a certeza de que era uma pessoa qualquer, quando
dei as costas para ir embora olhei de relance e gostei do seu jeito
de fumar. Meu pensamento estava longe, distante, vagava entre
conversas e braços tatuados, o seu o meu, o nosso. Não teria cabeça
nenhuma, pra conversa nenhuma, sem flerte de meias palavras.
E
se não de repente, mas pouco a pouco, o destino coloca você
novamente no meu caminho, como aviso, como castigo. A distração
permanecia comigo, conversas, tatuagens, distância. Só te
(re)conheci pela voz: "- tens um cigarro?" Era você, você
e o destino plantados na minha frente. Você olhou, eu olhei, apoiou
seu braço sobre meus ombros e eu fique imóvel, uma espia gelada
percorreu a ponta do meu pé até o meu cabelo. Sem reciprocidade,
sem mais olhares. Sem mais conversa, apenas e somente um silêncio
ensurdecedor. Como já disse, meus pensamentos estavam distante,
entre uma noite de adeus e um "eu vou voltar", dito na
mesma noite em que as tatuagens partiram.
´
Confesso
que gostei da tua jaqueta de couro, seu jeito sério e como segurava
a garrafa de cerveja, as mãos firmes e os dedos longos. Gostei do
jeito que você conversava. Mas eu estava séria, sem meu sorriso
torto e o piscar de olhos. Eu fiquei esperando acontecer, pela
primeira vez, quis esperar. Deixei o agir para o meu passado, não
quis decisões precipitadas. E enquanto milhares de histórias,
sentimentos e atitudes ficavam no passado, perdi meu presente. E
fique olhando você se desfrutar lábios e cabelos no meu presente.
Foi indiferente. Como passar em uma vitrine gostar de uma roupa, mas
não ter a certeza de uma vontade de comprar. Foi exatamente isso.
.........................................
Conversas,
séries e histórias. Convites, recusas, deixa pra lá, pedidos de
esquecer e um sério: "a gente precisa conversar pessoalmente,
certo?". Um 88 bordo brilhando, quatro portas, você e o
pensamento de que o carro era mais novo do que eu. Quando coloquei a mão na
maçaneta, bati a porta e baixei o vidro, percebi que chega o dia,
então, em que não a outro caminho. Chega o dia em que o não
caminho é o próprio caminho. Não procurar é encontrar? Falando
francamente, não creio que cigarros, jaquetas de couro e carros
antigos resolveriam o meu problema.
Subidas,
descidas, curvas, lugares, pessoas....árvores, calmaria, silêncio,
vento. "- Me explica porque a gente deveria conversar
pessoalmente?..." Um suspiro e algumas poucas palavras foram
ditas, muitos olhares. Insistência. Não's. Promessas de uma
diferença. Assim, amanhã, ou outro dia quem sabe...E tive certeza,
devo mesmo estar enlouquecendo. Nesses extremos, perde-se o centro,
perde-se a quina da cara e coroa, perde-se o ponto exato. E a voz
rouca e um pouco falhada me diz"- E tu acha que já não é
tarde pra isso?"
Pouco
a pouco, sutilmente, ele foi me puxando pelo cinto, encostou meu
corpo no dele, segurou meu cabelo. Mas tudo bem, porque os momentos
da vida são feitos de perdas e ganhos. Chega, vem, vai: esse é o
ritmo do corpo e da vida. Uns vão e não voltam , outros cruzam a
esquina da nossa vida. É assim que as coisas devem ser: sem pressa,
sem dor, sem ressentimento. Foi assim que você me beijou pela
primeira vez.
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